ENTREVISTA 40 PERFIL tímido e insuficiente. A pandemia que se seguiu agravou debilidades que vinham do passado. E, depois, a guerra na Ucrânia e a espiral inflacionista agudizaram essas debilidades. Mas somos arquitetos. Temos uma visão otimista sobre o futuro. O retrato da profissão tem aspetos que evoluíram positivamente, e a análise comparativa dos dados do Observatório da Profissão mostram-nos isso. Somos uma profissão cada vez mais paritária (em 16 anos o número de arquitetas cresceu 10,8%, atingindo, neste momento, os 46,3%) e mais experiente (em 2012, no escalão mais baixo, 57% dos arquitetos tinha até nove anos de prática profissional, atualmente 40% tem até dez anos de experiência profissional). Embora continuemos a falar de uma atividade profissional onde a elevada precariedade é uma realidade, regista-se uma maior estabilidade nos vínculos laborais. Mas, apesar de 83% dos arquitetos trabalhar a tempo inteiro, dedicam-se menos ao exercício da arquitetura. 66% dos inquiridos dedicam à arquitetura entre 51% a 100% do seu tempo de trabalho. Note-se que mais de metade dos arquitetos acumula várias modalidades de exercício profissional, nem todas na área da arquitetura. Curiosamente, neste inquérito surgiram perto de uma centena de outras modalidades de trabalho, sensivelmente em 53 áreas suplementares, das quais se destacam funções relacionadas com o desenho técnico, comércio, tecnologias de informação, gestão, ramo imobiliário e até design. Observa-se, ainda, um crescimento de arquitetos a trabalhar por conta de outrem, no setor privado (32% comparativamente aos 23,1% aferidos em 2012) e na administração pública (14%, face aos 11,8% de 2012), mas a dimensão das equipas por serviço não ultrapassa os cinco arquitetos em 58% no setor público e 65% no privado. No trabalho por conta própria, houve uma franca recuperação entre os sócios, gerentes ou administradores de sociedades de arquitetura (17%, face aos 8,8% de 2012 e aos 12,5% de 2006), mas o número de profissionais independentes, ou ENI, (26%) e os prestadores de serviços a outros arquitetos ou sociedades de arquitetura (4%) decresceu. Observam-se, essencialmente, microempresas. 90% das sociedades têm entre um e cinco arquitetos e 67% apresentam um volume de negócios anual entre 25 e 250 mil euros. Somos um setor fortemente atomizado. A pequena dimensão das empresas dificulta o alcance de economias de escala e a melhoria das condições de trabalho. Os arquitetos continuam a trabalhar num quadro de enorme precariedade. 48% dos arquitetos trabalham mais de quarenta horas semanais. Porém, cerca de 38% dos arquitetos têm um rendimento líquido aproximado ou abaixo do salário líquido médio estimado em 968,09 euros. Comparando os rendimentos médios anuais na Europa (UE-26) e em Portugal, um dirigente recebe em Portugal, com ajuste PPC, 17.065€ anuais, bastante abaixo da média europeia de 42.576€. Por último, a encomenda de arquitetura continua, maioritariamente, a ser feita adjudicando ao menor preço, ignorando que a dimensão de custo não é um critério adequado quando queremos contruir com qualidade. Mas a arquitetura é imprescindível. É do bem comum que tratamos, e desempenhamos um papel fundamental no futuro do nosso país. Na sua opinião, quais são os principais desafios e que futuro se pode esperar para a profissão? Vivemos tempos complexos. A arquitetura cria valor, mas o setor precisa de assegurar melhores condições para a prática profissional. Mas desde logo, e para a profissão, como Presidente da Ordem dos Arquitectos, preocupa-me o movimento que se começou a construir com a Reforma da Lei das Ordens e que agora prossegue com a revisão dos estatutos de todas as Ordens Profissionais. Percebemos que se procurem eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência. Mas isso não pode significar a total desregulação da profissão. Está na Lei o papel das Ordens, e é claríssimo: em primeiro lugar, a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços; em segundo lugar, a representação e a defesa dos interesses gerais da profissão. Depois, preocupa-me muito que Portugal não venha a aproveitar devidamente as potencialidades do PRR e temePercebemos que se procurem eliminar restrições de acesso e melhorar as condições de concorrência. Mas isso não pode significar a total desregulação da profissão
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