ENTREVISTA 23 Motivos para o pessimismo? Não, de todo. Os progressos realizados pela humanidade no século XX são enormes. Só nos últimos 50 anos conseguimos muito: a população triplicou e há mais 30% de alimentos por pessoa. Quando entrei para a universidade, o mundo tinha um problema de fome que parecia irresolúvel e a ideia de que não havia comida para todos era generalizada. Hoje, quando há fome, é quase sempre o resultado de tensões políticas ou de guerras, como no Iémen ou no Sudão. Os sistemas de produção intensivos, muitas vezes rotulados de insustentáveis, são frequentemente contrapostos a sistemas de produção locais, mais pequenos, que estão associados a um maior respeito pelo ambiente. Trata-se de uma dicotomia demasiado simples e existem muitas opções intermédias. É evidente que toda a cidade de Barcelona, por exemplo, não pode ser alimentada pela produção dos pequenos agricultores. Temos de pensar em como deverão ser os sistemas do futuro, com apoio robótico, com monitorização para identificar a fertilidade do solo, com inteligência artificial. A tecnologia tem de entrar tanto nos sistemas de agricultura intensiva como nos sistemas de agricultura local de pequena escala. E isso vai acontecer nos próximos 20 anos. Temos também de repensar o preço que pagamos pelos alimentos, porque agora é muito pouco e isso é um fator importante. Há 50 anos, quase metade do salário de uma família era gasto em alimentação, ao passo que atualmente é menos de 20%. Não é esta a perceção social maioritária? Há uma consciência crescente do que significa comer bem, mas também a moda dispendiosa de que é preciso comer três abacates por dia ou um batido de não sei quantos frutos tropicais para ser saudável. Paradoxalmente, de um modo geral, estamos a comer mal: as pessoas têm pouco tempo, muitas preocupações, sobretudo as famílias monoparentais ou aquelas em que os pais têm muitas horas de trabalho ou dois empregos, e quando chegam a casa é mais fácil dar uma fatia de pizza aos filhos e pô-los em frente à televisão. E não ajuda nada dizer às mães e aos pais que têm de preparar diariamente pratos de legumes. Porque não podem. Por isso, o que há a fazer é ajudar. Como? Através das escolas, para que as crianças possam comer bem e de forma saudável pelo menos uma vez por dia. Há muitas crianças subnutridas cujas famílias não têm dinheiro para ir ao mercado. Por isso, uma refeição boa e saudável por dia é essencial. E ensiná-las sobre a produção, sobre a cadeia alimentar. Porque sem produtores, sem a cadeia agrícola, não temos um ambiente saudável e não temos uma população saudável. Porque a agricultura produz paisagem e a paisagem produz uma parte da saúde, a parte preventiva, que é a parte mais importante. E se me permitem acrescentar uma última coisa que digo sempre: têm de se certificar de que o vosso frigorífico está à temperatura ideal. Parece um disparate, mas a temperatura errada pode fazer com que os alimentos se estraguem e tenham de ser deitados fora. n
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