BF15 - iAlimentar

ENTREVISTA 21 Professora e antiga reitora da Universidade de Wageningen, nos Países Baixos, um prestigiado centro especializado em agricultura, e ex-diretora-geral adjunta da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, Fresco combina a sua prolífica atividade como cientista com a orientação de jovens mulheres, além de presidir à Academia Nacional Holandesa de Ópera e Dança e escrever romances e livros populares. Recentemente chegada da China, participou no congresso internacional LCA Food sobre análise do ciclo de vida dos alimentos, um fórum global sobre a sustentabilidade dos sistemas alimentares com base na ciência, organizado pelo Instituto de Investigação e Tecnologia Agro-Alimentar (IRTA), onde proferiu uma conferência. A sua agenda dá vertigens... É verdade, e para não naufragar é preciso escolher bem. E esta é uma mensagem especialmente para as mulheres: não podemos fazer tudo. É fundamental escolher as coisas que nos apaixonam, que muitas vezes não são as que os outros nos dizem para fazer. Porque se seguirmos o nosso coração, isso dá-nos energia, dá-nos ideias e põe- -nos em contacto com pessoas que pensam da mesma maneira, o que nos permite fertilizar-nos. Foi algo que aprendi quando era muito jovem. Em que sentido? A minha família era muito intelectual. O meu pai era professor de filosofia e ética, e lembro-me de me aconselhar, em criança, a estudar história da arte. Mas sentia que queria fazer algo útil. Em criança e em adolescente, fiquei chocada ao saber dos efeitos da fome em África. Além disso, embora tenha nascido depois da Segunda Guerra Mundial, cresci numa sociedade que tinha passado por enormes dificuldades e fome, e sabia o que era viver situações terríveis. Estive sempre muito consciente do privilégio que tinha de pertencer a uma família sem problemas fundamentais, com acesso a alimentos, num país pacífico. Por isso, sempre senti que tinha de contribuir de alguma forma para o mundo e estudei engenharia agrícola. Defende que é possível alimentar um mundo em crescimento sem matar o planeta. Podemos alimentar a população atual e futura de uma forma sustentável, mas temos de mudar muitas coisas. Para começar, em muitas partes do mundo a produtividade é muito baixa, são utilizadas enormes quantidades de terra e muitos recursos são dedicados a uma produção muito reduzida. Temos de concentrar a produção agrícola nas zonas que têm potencial e abandonar as zonas que não têm potencial, deixando-as à mercê da biodiversidade. A coisa mais destrutiva a fazer é cultivar em áreas onde não há muito potencial, como em solos muito pobres. Nestes casos, não faz sentido cortar a vegetação, trabalhar a terra e utilizar muita energia e recursos para quase nenhuma produção. Devemos pensar em sistemas de reciclagem em que o que não é consumido pelas pessoas possa ser utilizado para os animais. Será que isso significa que alguns países têm de importar tudo o que comem? Todos os territórios têm zonas férteis e zonas que não devem ser utilizadas para a agricultura. Tomemos como exemplo a República Democrática do Congo, que tem uma enorme quantidade de floresta; de facto, uma grande percentagem do país está coberta de floresta. Mesmo que seja abatido, este solo não permite uma agricultura de grande rendimento. Por outro lado, tem uma enorme riqueza em minerais. O país poderia utilizar este recurso natural para importar alimentos. O problema é a corrupção envolvida no negócio dos minerais. De qualquer forma, o país deveria conservar essas florestas. Temos de chegar a um acordo global para compensar economicamente aqueles que têm recursos naturais importantes (como a selva, as florestas e a savana) para os manter, porque são a base da biodiversidade e o património da humanidade. E isso é algo que irá acontecer nos próximos dez a 15 anos. No Norte, deitamos fora até um terço dos alimentos que produzimos e compramos. Compramos muito e deitamos muito fora. É claro que algumas coisas não podem ser utilizadas, como partes de vegetais, mas devemos pensar em sistemas de reciclagem em que o que não é comido pelas pessoas possa ser utilizado para os animais. Devemos limitar o consumo de proteínas animais? Essa é a questão mais importante. Não precisamos de comer carne todos os dias, mas isso não implica, como defendem alguns discursos, a eliminação total dos animais. Nalgumas fases da vida, como a velhice, a gravidez ou a infância, precisamos de proteínas de muito boa qualidade, como as que existem na carne e no leite. Também nos ovos, que, embora tendamos a esquecer, são importantes e, nos países em desenvolvimento, podem fazer a diferença entre o atraso cognitivo e o desenvolvimento normal das crianças. Será que vamos acabar por comer insetos ou carnes sintéticas? Já comi insetos. Na verdade, temos um programa de investigação na Universidade de Wageningen, nos Países

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